A pensar que o sol poderia nascer no Natal, assim como um acto misericordioso, e como o meu pai teria férias nessa semana - perfeito para visitar os canis mais próximos ou ir buscar um patudo a Braga, Évora ou Setúbal - passei os dias a imaginar a chegada da pequena criatura a casa. O seu jeito tímido por não nos conhecer, as lágrimas de felicidade, todas elas minhas, a abraçar a minha mãe, a abraçar o meu pai, a abraçar até o meu irmão (porque o Natal é só uma vez por ano), a abraçar o bicho, o primeiro xixi no tapete Arraiolos preferido da minha mãe, tudo muito no melhor estilo dos anúncios publicitários dos anos oitenta.
E era feliz. Juro que era feliz assim. Volta e meia, lá imaginava toda a cena muito "o pai natal foi no comboio com o coelhinho (...)". Estivesse onde estivesse, fazia o favor de presentear os restantes passageiros do metro, os clientes, os amigos, até aquela parvalhona que não suporto (que não conhecem simplesmente porque não lhe dou essa importância), com o sorriso mais assustadoramente parvo e alegre que possam imaginar.
Era feliz sim, mas, entretanto, vieram os almoços de Natal dos amigos e colegas dos meus pais, os jantares de Natal dos amigos e colegas dos meus pais, os convívios aqui e ali, as compras e eu a ver o tempo a sumir, os dias muito preenchidos e ocupados e nada de cinco minutos para aqueles dois visitarem os ditos canis.
Então, resolvi recordá-los do que é o verdadeiro Natal. Relembrar que o Natal é tempo de compaixão, de ajudar o próximo e o afastado e, logicamente, salvar um bicho de ser abatido.
Assim, na manhã seguinte, porta da entrada, espelho do hall, espelhos dos quartos e casas de banho, portas de todas as divisões, gaveta dos talheres e frigorífico exibiam o espírito natalício, em formato de apelos, fotos de cães bébés, adultos, de todos os tamanhos cores e formatos e, naturalmente, contactos, muitos contactos, a fim de ver uma lagrimita a correr no rosto dos meus pais, comovidos e certos de que deveriam salvar um animal e trazer a alegria de volta para esta casa, desaparecida no dia em que o Reggae se finou, já lá vão seis saudosos meses.
Consciente de que ia ouvir das boas, assim como ouvi aos cinco anos, quando os meus pais encontraram sete cães "escondidos" (espalhados) pelo meu quarto, cozinha, terraço e garagem, recolhidos da rua, saí sorrateiramente, de fininho, pé ante pé, de rabo encolhido, deviam ser umas seis e meia da manhã, que já não sou parva e três semanas de castigo é demasiado.
Resumindo e concluindo, evidente que a semana que antecedeu o Natal foi bem mais intensiva do que os meses anteriores, sendo que, na minha casa e por meu meio, só entraram pessoas com muitos animais e histórias para contar e colegas do voluntariado. Até ração de presente recebi.
Atentem que, na véspera e no dia de Natal, a SIC transmitiu, se não estou em erro, cinco filmes com e sobre cães. Foi tão somente um sinal divino e luminoso que nos chegou via director de programação. Querem algo mais evidente?
Mas não, cá continuo, sem cão, a alugar os cães da rua que já só aceitam a comida mas não aguentam tanta festa, os cães dos amigos, enfim, até os gatos do meu professor de ballet aluguei, tendo passado o jantar do seu aniversário de roda dos bichos, enquanto os restantes convidados e amigos faziam o que é normal para uma pessoa da minha idade. Conversavam, conviviam e festejavam (e eu na cozinha, agarrada aos três gatos, quase a noite toda).
Se é deprimente?
É.
Bem vindos ao meu mundo.
Se o meu pai gosta de cães? Adora. Se o problema são só cócós, xixis, veterinário, paciência para ensiná-los? Por amor de deus, o Reggae era um penudo mínimo mas quando espirrava estava automaticamente na Ajuda. Depois, a saga dos medicamentos que tinham que ser administrados oralmente, através de uma seringa para o canto do bico e esperar que ele engolisse (E o bicho não era parvo. Via a seringa e esperneava, escondia a cabeça na minha mão, que não podia soltá-lo mas também não podia sufocá-lo.). Fora as sementes descascadas, dadas uma a uma, a ver se ele comia verdadeiramente, uma vez que ganhou o hábito de fingir que comia, quando ficava doente. Enfim, provas não são precisas. O penudo assobiava o Verão azul, dizia o seu nome, obedecia a tudo e usava o meu nariz como heliporto. Aquilo é só teimosia do meu pai. O meu pai foi educado a entender que o lugar dos cães é num quintal e não dentro de casa. Eu fui educada a respeitar os meus pais. Tal como fui educada a não desistir.
E era feliz. Juro que era feliz assim. Volta e meia, lá imaginava toda a cena muito "o pai natal foi no comboio com o coelhinho (...)". Estivesse onde estivesse, fazia o favor de presentear os restantes passageiros do metro, os clientes, os amigos, até aquela parvalhona que não suporto (que não conhecem simplesmente porque não lhe dou essa importância), com o sorriso mais assustadoramente parvo e alegre que possam imaginar.
Era feliz sim, mas, entretanto, vieram os almoços de Natal dos amigos e colegas dos meus pais, os jantares de Natal dos amigos e colegas dos meus pais, os convívios aqui e ali, as compras e eu a ver o tempo a sumir, os dias muito preenchidos e ocupados e nada de cinco minutos para aqueles dois visitarem os ditos canis.
Então, resolvi recordá-los do que é o verdadeiro Natal. Relembrar que o Natal é tempo de compaixão, de ajudar o próximo e o afastado e, logicamente, salvar um bicho de ser abatido.
Assim, na manhã seguinte, porta da entrada, espelho do hall, espelhos dos quartos e casas de banho, portas de todas as divisões, gaveta dos talheres e frigorífico exibiam o espírito natalício, em formato de apelos, fotos de cães bébés, adultos, de todos os tamanhos cores e formatos e, naturalmente, contactos, muitos contactos, a fim de ver uma lagrimita a correr no rosto dos meus pais, comovidos e certos de que deveriam salvar um animal e trazer a alegria de volta para esta casa, desaparecida no dia em que o Reggae se finou, já lá vão seis saudosos meses.
Consciente de que ia ouvir das boas, assim como ouvi aos cinco anos, quando os meus pais encontraram sete cães "escondidos" (espalhados) pelo meu quarto, cozinha, terraço e garagem, recolhidos da rua, saí sorrateiramente, de fininho, pé ante pé, de rabo encolhido, deviam ser umas seis e meia da manhã, que já não sou parva e três semanas de castigo é demasiado.
Resumindo e concluindo, evidente que a semana que antecedeu o Natal foi bem mais intensiva do que os meses anteriores, sendo que, na minha casa e por meu meio, só entraram pessoas com muitos animais e histórias para contar e colegas do voluntariado. Até ração de presente recebi.
Atentem que, na véspera e no dia de Natal, a SIC transmitiu, se não estou em erro, cinco filmes com e sobre cães. Foi tão somente um sinal divino e luminoso que nos chegou via director de programação. Querem algo mais evidente?
Mas não, cá continuo, sem cão, a alugar os cães da rua que já só aceitam a comida mas não aguentam tanta festa, os cães dos amigos, enfim, até os gatos do meu professor de ballet aluguei, tendo passado o jantar do seu aniversário de roda dos bichos, enquanto os restantes convidados e amigos faziam o que é normal para uma pessoa da minha idade. Conversavam, conviviam e festejavam (e eu na cozinha, agarrada aos três gatos, quase a noite toda).
Se é deprimente?
É.
Bem vindos ao meu mundo.
Se o meu pai gosta de cães? Adora. Se o problema são só cócós, xixis, veterinário, paciência para ensiná-los? Por amor de deus, o Reggae era um penudo mínimo mas quando espirrava estava automaticamente na Ajuda. Depois, a saga dos medicamentos que tinham que ser administrados oralmente, através de uma seringa para o canto do bico e esperar que ele engolisse (E o bicho não era parvo. Via a seringa e esperneava, escondia a cabeça na minha mão, que não podia soltá-lo mas também não podia sufocá-lo.). Fora as sementes descascadas, dadas uma a uma, a ver se ele comia verdadeiramente, uma vez que ganhou o hábito de fingir que comia, quando ficava doente. Enfim, provas não são precisas. O penudo assobiava o Verão azul, dizia o seu nome, obedecia a tudo e usava o meu nariz como heliporto. Aquilo é só teimosia do meu pai. O meu pai foi educado a entender que o lugar dos cães é num quintal e não dentro de casa. Eu fui educada a respeitar os meus pais. Tal como fui educada a não desistir.