Dez e cinco da manhã.
Acompanhada por dois guarda-costas contratados para o efeito, apresento-me à porta da "Casa da Sorte", no Colombo, munida de três Sansonites rígidas tamanho G e de duas Longchamps XL.
Olho em redor (não vá algum curioso ser demasiado curioso) e saco orgulhosamente o bendito talão do Euromilhões.
- Bom dia! - voz que já emana, exala, transpira aquele status que poucos atingem - Eu vim levantar o prémio, por favor.
Franze o sobrolho duvidoso devido ao aparato da comitiva, ajeita os óculos na ponta do nariz e coloca o talão na máquina registradora.
- São oito euros e setenta e dois cêntimos. Deseja receber?
(Engasgo meu) - Desculpe??? Não está a perceber. Eu sou "A" excêntrica! Verifique lá isso outra vez, por favor.
Com a paciência de um elefante à espera da chuva, repete o procedimento.
- São oito euros e setenta e dois cêntimos. Posso pagar?
(Triplo engasgo com dupla pirueta encarpada e mortal nos olhos. Chamem o INEM!!!)
- Mas... mas ... não pode ser! Eu fiz dois números e uma estrela!
- Exactamente, o 12º prémio. Nada mau! Oito euros e setenta e dois cêntimos.
- Mas... mas... e aquela história do Euromilhões a criar excêntricos por aí? Eu sou uma excêntrica! "A" excêntrica! O Euromilhões não me pode fazer isto! Nãooooooooooo!
-Quer receber ou não????????
Baixo os olhos, lambo as feridas e a carne lacerada pela dor insuportável.
- Quero, pois...
E assim se destróem os sonhos da juventude. Enchem-nos a cabeça com promessas de áureas realidades para depois nos atropelarem, espezinharem e passarem por cima com uma buldozer das pesadotas. Vendem-nos fotografias de vidas e futuros auspiciosos mas, imediatamente, somos violentamente calcados e brunidos com o ferro impiedoso. Pegam nas sobras, colocam-nas numa betoneira eléctrica e cospem-nas com uma máquina de projectar estrume.
E nem sequer um "Olhe, desculpe lá... é a vida!".