A minha família é marcadamente alentejana e com muito orgulho. A alentejanice está-nos na pele, no andar, no estar, nas entranhas, no suor, no odor que exalamos. Como tal, pesca, caça, cavalos, toiros e outras actividades no campo são coisas corriqueiras desde criança. As temporadas em família, na casa da minha avó, eram simultaneamente uma aventura e um tormento, por me encontrar apenas entre primos varões. Rapidamente, me acostumei às carpas, aos achigãs, aos tordos e às perdizes, na sua condição de presas na escala da cadeia alimentar.
O espírito do homem viril, provedor e capaz é bastante cultivado no nosso clã e, enquanto criança, lá levava as habituais patadas, quando queria entrar nessas “brincadeiras”, que para os meus tios e primos eram reservadas ao foro masculino.
Por vezes, perante tantas recusas e entraves, desistia da demanda de me tornar um par, entre aqueles corajosos capturadores, e lá ficava, no baloiço do quintal da minha avó, no meio das laranjeiras e romãzeiras, a sonhar que montava um garboso garanhão creme.
Entretanto, cresci e, durante esse processo, tal como a minha prima mais velha, que airosamente se escapava aos Setembros em Alvito, consegui provar, a olhos bem vistos, que monto, caço e pesco melhor que qualquer um dos machos do clã. Tirando um primo, que nasceu a toirear e vive as lides e faenas lá para os lados da Golegã, esta moça é de raça pura e por nada se deixa bater.
Domingo à noite, o meu pai, alentejano desde o velho chapéu de feltro às botas ensebadas que denunciam os quilómetros de campo galgado, regressa de mais uma caçada.
Orgulhoso, larga os despojos da matança no chão, encosta a espingarda junto à porta, encova o chapéu na cabeça, com o gesto característico, e solta:
- Desta vez, correu-me muito bem! Nem imaginam o que apanhei! – Os olhos brilham, um misto de caçador voraz e de menino ao desembrulhar a garagem para automóveis, na noite de Natal.
- Diz lá, pai! Apanhaste um gambozino! – Riposta o meu irmão.
- Não foi nada! O tio foi ali ao talho do Continente e trouxe uma lebrezita dos produtos regionais! – Risadas da família em peso.
Habituado às típicas piadas sobre os seus dotes “caçadoiros“, responde embevecido:
- Apanhei uma corça! Deviam ter visto! Nem queria acreditar quando apareceu mesmo à minha frente! Que belo animal! E que belo repasto que vai dar! – Desembrulha o saco ensanguentado que envolvia os pedaços de carne que ainda pulsavam a vida da majestosa criatura.
Envolvida pela imagem, com o lábio inferior a tremer, soltei uma lágrima e insurgi-me:
- PAI, TU MATASTE A MÃE DO BAMBI!!!!
Escusado dizer que o serão ficou por ali e ainda devo uma vida em recompensas e arrependimentos ao meu pai, por lhe ter estragado o momento…
O espírito do homem viril, provedor e capaz é bastante cultivado no nosso clã e, enquanto criança, lá levava as habituais patadas, quando queria entrar nessas “brincadeiras”, que para os meus tios e primos eram reservadas ao foro masculino.
Por vezes, perante tantas recusas e entraves, desistia da demanda de me tornar um par, entre aqueles corajosos capturadores, e lá ficava, no baloiço do quintal da minha avó, no meio das laranjeiras e romãzeiras, a sonhar que montava um garboso garanhão creme.
Entretanto, cresci e, durante esse processo, tal como a minha prima mais velha, que airosamente se escapava aos Setembros em Alvito, consegui provar, a olhos bem vistos, que monto, caço e pesco melhor que qualquer um dos machos do clã. Tirando um primo, que nasceu a toirear e vive as lides e faenas lá para os lados da Golegã, esta moça é de raça pura e por nada se deixa bater.
Domingo à noite, o meu pai, alentejano desde o velho chapéu de feltro às botas ensebadas que denunciam os quilómetros de campo galgado, regressa de mais uma caçada.
Orgulhoso, larga os despojos da matança no chão, encosta a espingarda junto à porta, encova o chapéu na cabeça, com o gesto característico, e solta:
- Desta vez, correu-me muito bem! Nem imaginam o que apanhei! – Os olhos brilham, um misto de caçador voraz e de menino ao desembrulhar a garagem para automóveis, na noite de Natal.
- Diz lá, pai! Apanhaste um gambozino! – Riposta o meu irmão.
- Não foi nada! O tio foi ali ao talho do Continente e trouxe uma lebrezita dos produtos regionais! – Risadas da família em peso.
Habituado às típicas piadas sobre os seus dotes “caçadoiros“, responde embevecido:
- Apanhei uma corça! Deviam ter visto! Nem queria acreditar quando apareceu mesmo à minha frente! Que belo animal! E que belo repasto que vai dar! – Desembrulha o saco ensanguentado que envolvia os pedaços de carne que ainda pulsavam a vida da majestosa criatura.
Envolvida pela imagem, com o lábio inferior a tremer, soltei uma lágrima e insurgi-me:
- PAI, TU MATASTE A MÃE DO BAMBI!!!!
Escusado dizer que o serão ficou por ali e ainda devo uma vida em recompensas e arrependimentos ao meu pai, por lhe ter estragado o momento…
13 comentários:
Já que está com balanço pergunta-lhe se pode aviar um balázio no piu-piu.
Um momento bonito, que ficou por ali...:)
Jorge,
Não sei se percebeste bem os dotes de caçador do meu pai... Ainda para mais com a mestria do Raggae em fazer voos acrobáticos!
A lice,
Ai... não foi bonito,não! Foi traumático. Ainda começo a ventilar quando penso na cena... O pobre animal, o meu pai todo orgulhoso e eu a perder a oportunidade de ficar calada e sofrer apenas com os olhos.
Confesso que não sou adepta de caça nem de tourada...
Também não sou daquelas que acham que o leite vem do Continente...
Não haverá nada assim de intermédio? :/
Pelos vistos, o intermédio parece ser as grandes criações e os matadouros... Perde o animal.
Ahahahahahah!!!
Perdão, mas "partir-me" a rir!!!
Este post está fantástico.
tens razão !
ainda por cima sabe a iscas !
A iscas???
Olha, na hora do jantar já não me queixei... :-D
Bolas. Aposto que o teu pai não voltou a caçar!
Sim a iscas !
A mim os bambis sabem-me sempre a iscas !
:-D
Tenho tantas saudades do faculdade... o meu coração grita pela UCP... ai a católica. Vinda de Viana do castelo até Lisboa lá encontrei uma nova família... que ainda o é!!!
Grande Alexandra... sou tua fan!
Tavguinu,
Até que aprecio bastante. MAs também sou adepta de umas iscas grelhadinhas...
Ana,
Também passei grandes momentos na católica. De estudo, é claro!
lol tb apanhei umas qtas achigas qd era gaiata
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