Estava eu a lambuzar-me com a sardinha e oiço:
Ó "mnina", ponha aqui uma moeda no Santo António, para lhe arranjar um maridinho!"
Olho em frente. A preceito, erguia-se um altar, com o dito Santo e várias caixas para moedas, tudo enfeitado a rigor.
Levanto muito as sobrancelhas e, sem pensar, deixo sair um:
- Eu? Cruzes credo!
- Mas um maridinho, "mnina"! O Santo Antoninho arranja!
Engoli a custo o pão, o lombo da sardinha e umas tantas espinhas. Não eram as espinhas. Era a dor do maridinho.
Maridinho?
Em velocidade da luz, vislumbro as imagens na minha cabeça. O pedido. Ele de joelhos. O anel. O casamento. Ele, embevecido e de olhos muito brilhantes a levantar-me o véu branco e imaculado, que cobria o rosto da sua formosa e inteligente noiva... O arroz, à saída da igreja...
Arroz?
Só se for de marisco!
Deixei cair a sardinha e saí a correr. Parei. Voltei atrás, agarrei no copo, emborquei a ginjinha de uma vez.
- Maridinho, o tanas! - Cuspi a espinha e as escamas que quase sufocavam a minha garganta. - Já cá não me apanham!
*Ai, os Santos Populares. A minha festa preferida do ano. Até para o ano. (Santo António, atendei a outras moças. Esta está feliz e a recuperar-se. Não precisa de maridinho. Precisa dela de volta.)
** Aproveito para anunciar uma gliceméride que é um marco. O Leite Condensado faz hoje dez anos.
Dez (10!) anos!
Assustador, não?
Há meses, pus-me a lê-lo de uma ponta à outra e nem pude acreditar. Tanta coisa que não me lembrava e que recordei, como se estivesse naquele momento a escrever aquelas palavras.
Depois, ver toda a evolução da "linha editorial", que espelhou todos os momentos que vivi, incluindo os mais terríveis. Os silêncios de muitos meses e o que significaram. O quanto marcaram-me.
Dez (10!) anos de pessoas que entraram na minha vida e várias não saíram mais (Nem quero que saiam, leram bem?). De momentos únicos. Muitas e muitas histórias. Risos, gargalhadas, tristezas, dor, lágrimas. Mas este blogue foi sempre das gargalhadas. Do açúcar. É a eles que pertence.
Por isso, estes dez (10!) anos não poderiam vir em altura melhor.
Estou a recuperar-me. Estou a ter-me de volta. Tão bom. Não acreditava ser possível.
Há dez (10!) anos, era uma miúda de vinte e sete anos. Uma miúda alegre, divertida, ingénua e com demasiada imaginação. Hoje, com trinta e sete, vejo os textos e vejo a infantilidade. A juventude. A ingenuidade. Os olhos sorridentes (Quem me conhece sabe que sorria a rodos.).
Mas sabem que mais? A miúda cá está. De volta. Dança, prega partidas, ri à gargalhada e esquece-se que já tem rugas e alguns cabelos brancos. Sou e serei sempre uma miúda. Já o prometi. Não te deixo ir embora novamente, miúda. Gosto de ti assim. És feliz assim.
Parabéns, Leite Condensado às Colheradas. Mexeste e brindaste a minha vida de uma forma única. Apareceste nos primórdios dos blogues, arrebataste, dormiste, hibernaste, esperneaste sobreviveste a custo às roupas e às modices e à profissionalização daquilo que era puro gosto, prazer e genuinidade. Cá andas, repleto de vontade de retornar àquele estilo, alérgico à comercialização da tua essência.
À tua!
És do caraças.