Espojada no sofá, com um pano da loiça no colo para amparar as migalhas, deliciava-me com uma enorme fatia de pão alentejano barrada com goiabada, enquanto dividia a atenção entre o filme e o pão com doce.
- Ó Xana! - Voz da minha mãe.
- Ó Xaaaanaaa!
- Que é? - Esforço-me para suster as migalhas.
- Anda cá! Anda cá depressa!
Nisto, e aflita que sou com a saúde e tudo o que gira à volta da minha mãe, dou um pulo do sofá, largo tudo pelo chão, a boca cheia de pão, quase que me engasgo e engulo tudo a duro, em dois tempos estou na cozinha.
- O que foi? O que foi?
- O Reggae... - Replica chorosa e inconsolável. - O Reggae... Esqueci-me que estava solto e abri a janela. Está aberta há mais de uma hora. Agora, quando dei conta estava ele no parapeito e voou lá para fora.
- O QUÊ? TU o QUÊ? - Lanço-me para a janela.
- REGGAE? REEEEEEGGAEEEE? Ó REEEEEGGAEEEEEEEEEEEYYYYYY? - Chamo entre lágrimas.
Nem vê-lo.
Entretanto, todos os vizinhos, que não foram de férias e se encontravam em casa, assomaram-se à janela, alertados pelo meu desespero.
- REGGAEEEEEEEE? REGGAEEEEEEEEEYYYYY?
- Reeeggaeeeyyyyy... Chuif... O meu Reggaeeeeey... Coitadinho, nem sabe a que janela do prédio regressar... Chuif... Ainda vai contra um vidro a tentar voltar para casa... - E lanço-me num pranto.
Eu e a minha mãe, agarradas uma à outra, desesperadas a chorar.
- REEEEEEEGGAEEEEEYYYYYYY? Estás a ouviiiir? Anda cááááá! Vai já para casa! - Tento uma última vez antes de me render às evidências de que nunca mais poria os olhos no meu penudo.
E dito isto, num pulito rápido, o sacana do bicho entra pela janela, salta do parapeito directamente para dentro da gaiola e encolhe-se no galho mais escondido da dita, tremelicoso.
Fechada a janela, ainda o tentei tirar da gaiola para lhe dar mimo, mas sem sucesso. Não arredou pé do canto.
Posto isto, entendi não ser necessária a aplicação de castigo a ninguém.
A minha mãe tão cedo não abre uma janela lá em casa. Ainda ontem grelhou peixe e "esqueceu-se" que o exaustor só por si não dá.
Por conseguinte, prevejo que a sua próxima peripécia seja um incêndio na cozinha.
O Reggae tão cedo não fica curioso em sair.
Não sei que susto apanhou o penudo lá fora mas aquelas andorinhas que habitam na parte superior da janela do meu quarto sempre me pareceram umas verdadeiras bullies do ar.
Voavam a rasar a janela, como quem procura comida, mas na verdade desafiavam-me o bicho que corria de um lado para o outro, doido, ao avistá-las.
Nunca me enganaram, as parvas. Devem ter-lhe feito a bonita.
Além disso, revelei-me uma óptima educadora. O Reggae obedece aos meus comandos tanto dentro como fora de casa.
Próximo passo: Arranjar um cão.
11 comentários:
Até porque é um comportamento raro nos cães, sairem a voar pela janela. :)
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Textículos
O trauma foi tal que só hoje consegui desabafar.
What would we do baby without us
What would we do baby without us
And there ain't no nothing we can't help each other through
What would we do baby without us. Sha-la-la-la
Yeeees, Family Ties.
Foi o que puseste na etiqueta. Inspirou-me !!!
Desde que não entres por aqui a cantar, está tudo bem.
Devias-me ouvir a cantar o "The love boat" !!!
o pássaro já vinha com a auréola, ou ganhou-a depois de viver algum tempo contigo?
Jedi,
Se quiseres eu canto o get in the ring dos Guns.
Não queiras.
A,
Não. Ganhou aqui: http://leitecondensadoascolheradas.blogspot.com/2007/07/justia-divina.html
ahahahhhahahaha, que bonita história sobre justiça poética!
Justiça divina!
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