Caro doutor Serna,
Quero manter-me jovem e moderna, todas as minhas amigas já pintaram o cabelo ou fizeram madeixas, e sentem-se como novas, deverei eu pintar o meu cabelo? De uma leitora devidamente anónima.
Cara leitora,
Uma loura queixava-se-me de anemia, de langor, de não se encontrar. O mais textual de quando me contou foi isso de não se encontrar: “ela não se encontrava”. A sua louridão dava-lhe uma cor rosada, de framboesa pálida, pondo-lhe nos olhos uns fulgores metálicos, como se os olhos fossem dois obscuros escaravelhos de reflexos fusíveis.
De facto, aquela mulher exuberante estava muito frouxamente rosada, parecia um morango seco.
– Não me encontro, doutor… não me encontro…
E eu também não a encontrava. Para dar uma ideia do que aquilo era, teria de dizer que era um doce de geleia à venda numa loja distante, lá para Toledo. Tudo nela estava sumido, distanciado, desvanecido. Nela só viviam os olhos.
“Mas que diabo terá esta mulher?”, repetia-me eu, tentando descortinar este mistério: sendo ela tão granadina, como raio tinha ares de cubana, com aquele envelhecimento de ananás seco com que ficam as cubanas? Chegou a parecer–me, quando ela me falava, que me escrevia, que me estava a escrever do outro lado do mar…
Os remédios para combater a fraqueza, todos os procedimentos e regimes que robustecem uma pessoa, com ela não davam resultado…
– Por que razão terá você este aspecto de mulher que viaja num transatlântico, parecendo o seu cabelo loiro estar entre os fiapos que esvoaçam por sobre a brisa marinha?...
– Não sei… Mas, talvez não me encontre por estar no alto mar a bordo desse navio em que me vê.
Uma tarde, andando eu à volta do seu quarto, “auscultando as paredes” como costumo dizer, vi– me perante um grande porta-retratos de cana, um desses que parecem pequenas cortinas suspensas das paredes, provido de bolsinhas em forma de leque, onde encontrei um retrato que logo lhe mostrei, pedindo que me dissesse quem era.
– É meu – respondeu-me.
– Seu? De quando? Na outra juventude?
– Qual outra juventude? Desta… e muito desta… da única que tive e que ainda há-de durar um bom bocado…
– Mas… - Fiquei a olhar o retrato, comparando-a à fotografia. No estranho contraste que eu tinha notado residia sem dúvida a causa do seu mal. Vejam só! Aquela mulher era uma morena admirável, fogosa, gravada na vida como uma água-forte, e tinha decidido apagar-se tingindo-se de loura.
Ser-se loura ou morena não é um simples capricho, decorre de uma lógica que convém não esquecer e que não se pode suprimir. A louridão era contrária à sua natureza.
– Por que razão oxigenou os seus belos cabelos negros?
– Porque assim sou mais branca e mais rosada, porque assim se vê mais que quero agradar aos homens e divertir-me na vida… Sou mais chamativa.
– Só por isso?
– Pois, só por isso… quer dizer… tenho medo da velhice, e como uma pessoa não se vai pôr a tingir o cabelo na véspera de envelhecer, se eu for sempre loura, nunca hei-de ser velha…
– Muito mal pensado – repliquei eu – A dada altura uma pessoa tem forçosamente de ser velha, sem remissão… Os olhos hão-de turvar-se, a boca mirrar… Quando chegam os cabelos brancos, devemos deixa-los chegar… Seja inteligente e sensata para saber um dia ter cabelos brancos… O resto não interessa nada... Perdoe-me a rudeza, mas gostaria de a convencer de que não há nada mais idiota que uma velha de cabelo pintado… Todo o seu mal tem origem nessa oxigenação do cabelo… É essa louridão que faz que não se encontre… Precisa de se ver morena ao espelho e de viver a vida como morena…
Após algumas réplicas e algumas dúvidas, passaram os dias bastantes para se destingir, e quando por fim voltou a ser a morena que era, a sua juventude e saúde resplandeceram…
– Tinha razão… agora já “me encontro”! – Disse-me ela.
Quero manter-me jovem e moderna, todas as minhas amigas já pintaram o cabelo ou fizeram madeixas, e sentem-se como novas, deverei eu pintar o meu cabelo? De uma leitora devidamente anónima.
Cara leitora,
Uma loura queixava-se-me de anemia, de langor, de não se encontrar. O mais textual de quando me contou foi isso de não se encontrar: “ela não se encontrava”. A sua louridão dava-lhe uma cor rosada, de framboesa pálida, pondo-lhe nos olhos uns fulgores metálicos, como se os olhos fossem dois obscuros escaravelhos de reflexos fusíveis.
De facto, aquela mulher exuberante estava muito frouxamente rosada, parecia um morango seco.
– Não me encontro, doutor… não me encontro…
E eu também não a encontrava. Para dar uma ideia do que aquilo era, teria de dizer que era um doce de geleia à venda numa loja distante, lá para Toledo. Tudo nela estava sumido, distanciado, desvanecido. Nela só viviam os olhos.
“Mas que diabo terá esta mulher?”, repetia-me eu, tentando descortinar este mistério: sendo ela tão granadina, como raio tinha ares de cubana, com aquele envelhecimento de ananás seco com que ficam as cubanas? Chegou a parecer–me, quando ela me falava, que me escrevia, que me estava a escrever do outro lado do mar…
Os remédios para combater a fraqueza, todos os procedimentos e regimes que robustecem uma pessoa, com ela não davam resultado…
– Por que razão terá você este aspecto de mulher que viaja num transatlântico, parecendo o seu cabelo loiro estar entre os fiapos que esvoaçam por sobre a brisa marinha?...
– Não sei… Mas, talvez não me encontre por estar no alto mar a bordo desse navio em que me vê.
Uma tarde, andando eu à volta do seu quarto, “auscultando as paredes” como costumo dizer, vi– me perante um grande porta-retratos de cana, um desses que parecem pequenas cortinas suspensas das paredes, provido de bolsinhas em forma de leque, onde encontrei um retrato que logo lhe mostrei, pedindo que me dissesse quem era.
– É meu – respondeu-me.
– Seu? De quando? Na outra juventude?
– Qual outra juventude? Desta… e muito desta… da única que tive e que ainda há-de durar um bom bocado…
– Mas… - Fiquei a olhar o retrato, comparando-a à fotografia. No estranho contraste que eu tinha notado residia sem dúvida a causa do seu mal. Vejam só! Aquela mulher era uma morena admirável, fogosa, gravada na vida como uma água-forte, e tinha decidido apagar-se tingindo-se de loura.
Ser-se loura ou morena não é um simples capricho, decorre de uma lógica que convém não esquecer e que não se pode suprimir. A louridão era contrária à sua natureza.
– Por que razão oxigenou os seus belos cabelos negros?
– Porque assim sou mais branca e mais rosada, porque assim se vê mais que quero agradar aos homens e divertir-me na vida… Sou mais chamativa.
– Só por isso?
– Pois, só por isso… quer dizer… tenho medo da velhice, e como uma pessoa não se vai pôr a tingir o cabelo na véspera de envelhecer, se eu for sempre loura, nunca hei-de ser velha…
– Muito mal pensado – repliquei eu – A dada altura uma pessoa tem forçosamente de ser velha, sem remissão… Os olhos hão-de turvar-se, a boca mirrar… Quando chegam os cabelos brancos, devemos deixa-los chegar… Seja inteligente e sensata para saber um dia ter cabelos brancos… O resto não interessa nada... Perdoe-me a rudeza, mas gostaria de a convencer de que não há nada mais idiota que uma velha de cabelo pintado… Todo o seu mal tem origem nessa oxigenação do cabelo… É essa louridão que faz que não se encontre… Precisa de se ver morena ao espelho e de viver a vida como morena…
Após algumas réplicas e algumas dúvidas, passaram os dias bastantes para se destingir, e quando por fim voltou a ser a morena que era, a sua juventude e saúde resplandeceram…
– Tinha razão… agora já “me encontro”! – Disse-me ela.
2 comentários:
Ó minha Pocahontas encantada! Nunca mais pintes o cabelo, seja de castanho claro ou escuro, encarnado, amarelo...!!
Gostamos de ti assim, morenaça, misteriosa, exótica. DIFERENTE. Parecias uma beta igual a todas as outras.
Pocahontas é lindo!!! Ahahah
Enviar um comentário