Todos os dias quando levo a Cacau à rua, logo pela manhã cedinho, rezo para não encontrar pelo caminho vizinhos ou alguém conhecido.
Não obstante, uma vez ou outra, apanho um real susto precisamente por ter todo o caminho livre.
Toca o despertador. Lanço a mão ao calhas, a tentar encontrar o comando (Uso a aparelhagem como despertador - sim, sou do século XX.), e carrego em todos os botões para calar os senhores AC DC, que irromperam a cantar "Youuu, shooke me all night loooong" (Calma, senhores. Sei que sou fabulosa mas, de manhã, fico-me apenas pelo suave chilrear distante dos passarinhos.).
Levanto-me, vou à casa de banho (Esqueço-me de, pelo menos, passar um pouco de água pelo rosto.), enfio umas leggings, um cachecol enorme, gorro e um anorak de penas com capuz. Como se fosse para Sibéria mas sem soutien (Prerrogativas do Inverno.) e com o pijama por baixo.
Levo cerca de quinze minutos a convencer a Cacau a levantar-se da cama (sofá), entre festas e beijinhos e enfio-lhe também um casaco, que a minha miúda é friorenta e mimada. (Normalmente, aquele lilás, com capuz, que a faz derreter até qualquer brutamontes com coração de pedra.)
Como sempre, seguimos para o jardim em modo automático e tudo o que se desenrola repete-se todos os dias.
Nem sempre.
Acordo um pouco do transe, olho à volta e não vejo vivalma.
Nem uma pessoa, nem um carro a passar ou som deles ao longe. Nada.
Até o vento silenciou-se.
O tempo parece ter parado. Não há sons nem movimento. Há uma energia estranha no ar.
Fomos jogadas noutra dimensão? Aconteceu uma calamidade ou um fenómeno estranho?
Nada. Ninguém.
É assim por uma eternidade (Ok, um minuto no máximo mas uma eternidade na escala do pânico.).
Começo a preocupar-me.
Até que lá bem ao fundo vejo alguém a caminhar.
Presto muita atenção e preparo-me para correr um sprint com a Cacau.
Outra pessoa, do lado oposto.
Ó meu deus!
Já bastante acordada, absolutamente em alerta, e com as rugas marcadas da almofada a desaparecerem, tento manter ambas as pessoas debaixo de olho vivo.
Cada uma, sob cada olho.
(Depois admirem-se se sou vesga.)
Bem, pelo menos, o caminhar parece normal.
Quer dizer... Arrastam-se um bocado.
Sim, arrastam-se e caminham lentamente.
Passa um carro.
Depois outro e outro e um autocarro.
Mais pessoas e crianças com mochilas a dirigirem-se para a escola. Conversas, risos, o vento sopra. O barulho das árvores sob o vento.
Alivio.
Inspiro profundamente, chamo a Cacau e viro as costas em direcção a casa.
As únicas dentadinhas que irão acontecer são as que vou dar num belo muffin de chocolate.
Ou dois, depois desta saga toda.
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