quinta-feira, abril 19, 2007

Dias díspares

Fecha a porta com cuidado, para que não notem a sua saída. Vai à casa de banho, ali ao lado, e mergulha o rosto na água gelada. Lava as dores, as dúvidas, os anseios. Gotas pretas escorrem pelas faces lívidas. Os lábios encarnados anseiam por respostas sôfregas que tão cedo não surgirão.

Limpa o rosto, dá-lhe cor, compõe o cabelo e sorri. Mais uma saída do “freak show”. Estava perfeita. Ar de executiva implacável, vestida de negro, enterra os pés nuns saltos altos que lhe realçam as pernas torneadas. O cliché habitual e gasto de qualquer empresa ou sociedade portuguesa. Mulheres capazes e sucedidas são também aquelas que qualquer um quer saltar para cima. Não. É o contrário. A aparência é meio (ou grande parte do) caminho andado. Há quem diga.

Pega na carteira de “griffe”, soergue a cabeça e cola a custo um sorriso lânguido e confiante, treinado vezes sem conta, a condizer com a farpela. Cada um veste a pele que quer.

O hall amplo de pedra nobre recorda-a às facadas onde se encontra.

Chama o elevador, ansiosa por não esbarrar com ninguém. São vinte horas de um final de tarde encalorado a antecipar o verão. Larga um “até amanhã” ao porteiro e fita as janelas espelhadas, com o vazio habitual. As flores indisciplinadas, que teimam em brotar no canto do edifício, lembram-lhe formas (ir)racionais infantis de tomar decisões. Ou aceitar factos. Mal-me-quer, bem-me-quer, muito pouco, nada.

Chega repentinamente e encontra-la perdida. Trava o carro, chamando para si a atenção com o ruído. As feições dela alteram-se ao descobri-lo. A adolescente atropela a mulher encasulada.

Leva-lhe gargalhadas, umas calças de ganga e uma pequena túnica branca de algodão. Os sapatos vertiginosos são trocados por havaianas de cor gasta pelo sol. No banco de trás, um cesto acomodado deixa adivinhar o jantar.

O carro arranca, nervoso. Correm para a praia. Para apanharem conchas, gritarem disparates ao mar e sucumbirem com mojitos. Espalhados pela areia, para que um dia alguém apanhe os pedaços.

8 comentários:

R. disse...

Normalmente não somos o que gostaríamos de ser, muito menos nos tornamos naquilo em que em tempos sonhamos que seríamos.

No entanto, são esses raros momentos em que tudo se iguala, que a vontade e o sonho se tornam realidade, que nos faz chegar ao fim do dia e pensar: valeu a pena!

Anónimo disse...

Essa noite foi brutal!

Quase que me fizeste acreditar que um dos tipos do bar era o Paulo Portas!

Passei uma vergonha com os teus ataques de riso mas já me vou habituando...

RP não vás na conversa dela. Acertaste ao lado.

Alexandra disse...

Ahahah

RP,

Acertaste mesmo ao lado! Tirando o sonho de ser bailarina, que só levei a sério já depois de terminar o curso e de não ter idade para reiniciar a dança (que acabei por fazer, mas enfim), queria mesmo exercer esta profissão.

Ainda assim, nem sempre temos bons dias e recordo-me que nessa altura estava numa semana particularmente difícil.

Salvam-nos os amigos!

Migas, o meu rescue boy! ;-)

Anónimo disse...

Até a mim me apetecia essa praia!

Beijinhos miga!

Gosto imenso de vir aqui!

Anónimo disse...

Cá para mim cheira-me a desaires de amor... Essa do trabalho não cola!

Maria Ostra disse...

Gostei, gostei! :)
(então, dos mojitos! ;) )

Alexandra disse...

Os mojitos foram óptimos! (Até à parte em que comecei a ver ataques de laser de extraterrestres em vez das estrelas cadentes que se passeavam naquela noite...)

Maria Ostra disse...

:D SEI!...