Recordo-a ao fim do dia, na praia da marina, com uns mini calções de ganga, cortados de umas calças. Um jeito tímido de mulher num corpo de traquinas a segurar um gelado da Veneza. A miúda.
Há pessoas que nos entram na vida sem pedir licença e depois não sabemos viver sem elas. A Xana tem maneiras peculiares de o fazer.
Nesse dia em que a conheci, estava um final de tarde fabuloso. Na praia da marina, o grupo do costume: Hugo (Guigas), Migas, Pêpê, Manu e Bráulio. O outside estava completamente morto, pelo que descansávamos em cima das pranchas, entre conversas de putos. Quem surfava melhor, as miúdas, quem ia curtir com quem, as motas novas. A praia quase deserta e o mar só para nós.
De repente, assim do nada, aparece uma miúda no meio do mar. Devia ter uns pulmões de aço, a catraia, para mergulhar tanto tempo e aparecer ao pé de nós. Percebe que nos pregou um susto e desata-se a rir. Primeiro discretamente, depois com gosto. Ri, ri, a boiar nas ondas.
Recuperados, pusemos-nos no gozo.
- É uma sereia!
- Deixa-me agarrá-la, para ver se tem rabo de peixe!
- É minha!
- Vou pô-la num aquário...
- Não, eu é que a apanho!
Furiosa, não se deixou ficar e chamou-nos (nunca me esqueci) surfistas da banheira. Acrescentou que não precisávamos de cabelos compridos e loiros para sermos surfistas e que surfistas a sério só na Ericeira. Murro no estômago, isto é, na nossa confiança de machos viris do surf.
No meio do bate boca e da confusão das pranchas, o Miguel tentou agarrá-la, sem sucesso, pois a miúda desferiu um valente murro que lhe deixou o olho negro.
Escapou-se a correr para a areia, novamente motivo de gozo.
- Não é uma sereia, é a Olivia Palito!
- Alguém lhe dê espinafres!
Nessa noite, na marginal, voltamos a vê-la com as amigas. Fez má cara. Era a primeira miúda que nos ignorava. Conquistou-nos.
O Miguel apaixonou-se, eu ganhei uma melhor amiga. De ideias mirabolantes, aventureira, sempre com novas invenções, coisas para fazer ou experimentar, madrugadora, TEIMOSA, chata. Ao lado dela, nada era (é) monótono. Para além disso, tinha a mania de pedir as minhas calças Quiksilver largas emprestadas, que pouco a favoreciam, considerando o excesso de tamanho.
Nas terras mouriscas, ainda hoje se recorda, com saudade, o dia fatídico em que as ditas calças escorregaram-lhe pelas pernas abaixo, precisamente quando andava de patins na marina, fazendo com que, de rabo ao léu, embatesse num turista alemão, derrubando-o e quase caindo para dentro da àgua.
Um homem não pode (consegue) ter amigas. Assim, digo a todos que és minha irmã. Muito haveria a escrever. Mas como não quero passar por roto ou sentimentalista, deixo-te apenas um beijo enorme de obrigado.
Aos leitores, apresento as minhas desculpas. Se tiverem paciência, para a próxima, contarei algumas aventuras ou desaventuras da Xanocas. Os podres, os segredos, as tropelias todas. Bem, nem todas. Já sabem como ela é e eu prezo muito a minha integridade física... Se calhar é mesmo melhor ficarmos por aqui... Bem, vou mas é andando!